sexta-feira, 24 de maio de 2013

Espinhos


Pendurado por panos crus
preso por fios onde se enrola,
baloiça os seus pensamentos,
convicções, crenças.
Está rodeado de espinhos
com que vai picando os que por ali passam.
Há uma crueza em si,
proporcional à força.
O rosto tenso e sisudo
procura sorrisos,
amores.
A solidão habita para cá dos espinhos.
Para lá deles...a escuridão.
Aqui, onde se vê,
há o tamanho, imenso,
linguagem outra,
do inacessível,
do incompreendido
do encoberto.
Baloiça.
Esperneia.
Grita.
A cada reagir, maior a prisão
que lhe tira os pés do chão,
e o arrasta, espinhos acima,
para a dor de não saber,
como fazer
amaciar o coração,
acalmar esta tensão.
Olha-lá,
sem a julgar,
sem lhe exigir a lucidez.
Aceitar-lá,
deixar que seja quem é.
Pode a luz ser escuridão?
E ele?
Pode descer dos panos crus
e eliminar o caminho que a espinhos conduz?
Ou viverá nesta agonia,
tremenda e fria,
nesta visão
de porta aberta
à solidão?

2013.04.27

segunda-feira, 13 de maio de 2013



A mente que vivia à deriva


Era a uma vez uma mente que vivia à deriva, como um barco que não tem ninguém que o conduza. Está no mar mas anda ao sabor das ondas, vai para onde a maré o leva. Sem rumo, torna-se muito frágil. É muito fácil partir-se, se uma onda mais violenta o assalta. Se a maré a leva em direcção às rochas, não consegue evitá-las, nelas embate, parte-se e afunda-se. Sem alguém que o ajude a navegar, torna-se um pequeno brinquedo que, arrastado pelas ondas, se perde, e não sabe como voltar ao cais.

Esta mente vivia num corpo que também não tinha descanso. Havia em particular uma perna que parecia um pequeno arbusto ao vento: ora abanava da esquerda para a direita, ora se apoiava nos dedos do pé levantando e baixando o calcanhar num movimento, por vezes tão rápido, que provocava o balanço de mesas, cadeiras ou bancos, onde o corpo tocava.

Cansada, esgotada, essa mente resolveu parar. Mas, quando o tentou, verificou não saber como isso se fazia.

Um belo dia de inverno, a mente meteu o corpo ao caminho e foi dar um passeio à beira-mar. Sentou-se nas rochas, olhando o mar. O dia estava cinzento mas ameno. As ondas revoltas, deixavam no ar uma névoa repleta de gotículas de água que faziam com que tudo à volta estivesse rodeado de um nevoeiro mágico. Aquele mar, feito de espuma branca, era maravilhoso. Os sons vindos do movimento enrolado das ondas ecoavam na mente, não lhe deixando lugar para mais nada. O corpo estava calmo, a mente estava calma, o mundo de repente parou: tudo era mar, tudo era paz.

Subitamente a mente retornou ao movimento, surpreendida e assustada pelo não movimento. Que era aquilo?!!! Será que era verdade? Será que tinha mesmo parado? Que paz era aquela que desconhecia?

Decidida a perceber o que tinha acontecido volta-se de novo para a contemplação do mar. Atenta, resolve processar tudo o que acontece, analisando, questionando, relatando o mais fielmente possível a experiência de olhar o mar. Nada! Minutos passados, não tinha conseguido mais que uma espécie de relatório mental daquele mar que, indiferente a mentes e corpos, se fazia ser. O corpo agitou-se. Que diabo, onde tinha ido parar a paz que há momentos conhecera?! Calma, disse para consigo, se conseguiste uma vez há sempre oportunidade de o repetires…

Convicta daquela possibilidade, olhou de novo o mar que lhe devolveu a imagem envolvente e grandiosa, espaçosa e acolhedora, reveladora de uma sensação de pequenez e insignificância gratificantes, e de uma força que a contagiava. A última coisa de que se lembra, antes da imensa paz revisitada, é de uma sensação mental e física de total entrega. O mar, as ondas e os seus movimentos, o céu, o corpo e a mente, tudo, e todos, se entrelaçam numa pura claridade sem começo nem fim, sem passado ou futuro, sem ser isto ou aquilo. Uma paz em total liberdade feita de uma profunda e imensa alegria, é. Nada há a pensar, explicar ou compreender. Tudo se encaixa, tudo está bem. É a totalidade, a sensibilidade, o amor transbordante, imenso como o mar.

E a mente soube que parar não é deixar de ver, ouvir, percepcionar. Parar é estar presente, é estar onde se está, é embarcar no momento presente e vivê-lo na sua plenitude: vendo-o, ouvindo-o, sentindo-o, recebendo-o, sem filtros que o deturpem, sem medos que o afastem, sem preconceitos que o pseudo-alterem..

A mente finalmente compreende que parar é viver em paz, que viver é movimento e que paz é saber parar em movimento. O corpo obedece, tal como o barco que finalmente se vê resgatado pelo marinheiro, da sua deriva.


Costa da Caparica, 2009