segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Poetas que sou


Deixo cair as palavras sobre mim
As tuas, agora minhas.
Visto-me delas
Sorvo-as,
Como seiva milagrosa.
Como sabias que te esperava?
Que te necessitava?
Que era este o momento de te ler,
De te sentir
De te fazer meu?

Poetas que sou,
Poetas da minha vida,
Sem vós nada seria.
Convosco rio e choro
Cresço e namoro
E tenho vontade de ir mais além
Ou de ficar aqui.
De ser forte e fraco,
De descobrir o mundo,
E num grito profundo
Descobrir-me a mim.

E quando a vossa poesia me faltar
Serei mais pobre
Não porque parti,
Mas porque vos deixei.
Perante o sagrado
Prometo voltar
Para ser de novo
Arauto de um povo
Que ao mundo doou
Poetas que sou
Sem nunca o ter sido.


Aldora Amaral
2013.12.10





domingo, 8 de dezembro de 2013


Lançamento do livro "Lugares e Palavras de Natal", Alenquer, Museu João Mário





Hoje é Natal

Jesus desceu à Terra. Ninguém parecia dar por isso. Naquele 24 de dezembro, a azáfama reinava. A cidade desenhava contornos de formigueiro. Havia pressa, idas e vindas, toques, encontrões e pedidos de desculpa, embrulhos coloridos, luzes e decorações sofisticadas. A crise pairava sobre todas as cabeças, numas gerava fome, noutras, opulência.
O filho de Maria e José deambulava pela cidade, contemplando, perplexo aquela dimensão da existência, a humana. Para onde corriam? Porque não se olhavam?
De repente, um menino corre na sua direção ignorando os gritos da mãe para que não se afastasse. Reconhecera Jesus.
- Jesus, Jesus! Grita o rapaz.
Faz-se um silêncio que penetra todo o ambiente como se de um efeito ondulatório se tratasse. Algo se propaga perante o grito anunciador. Todos olham na direção sagrada.
- Jesus, continua o rapaz do alto da sua inocência, minha mãe diz que só nasces amanhã, como podes estar aqui hoje?
Jesus olha o rapazinho e sorri-lhe. Depois percorre com o olhar todos os que de si se acercam. Pega a mão do menino e inicia uma caminhada por entre os que, ainda espantados e incrédulos, ali se encontram. Pode ver rostos fartos, ricas roupagens, rostos famintos, rostos envelhecidos e sofridos, uns marcados pela dor da doença, outros pelo medo, pela solidão. Homens e mulheres tresmalhados, crianças velhas. Perante tudo isto, com uma voz suave mas determinada e um sorriso aberto e doce diz:
- Meus queridos amigos, irmãos, não existe tempo nem espaço no reino de Jesus e o reino de Jesus é o reino de todos vós, de cada um de vós. Hoje apresento-me aqui para vos mostrar isso mesmo. Nunca parto, nem regresso pois nunca me separei de vós, nem a vós me juntei. Todos os que a isto acederem, todos os que isto sabem, não se espantam com esta minha aparente visita antecipada. Aos outros digo que em mim confiem, que afastem os medos e as dúvidas. Abram o vosso coração e observem a vossa mente. Contemplem o que aí encontram, sem críticas, sem expectativas. Aceitem o que observam. Façam tudo isso, movidos pela vontade de entrar neste reino, a que chamam de Deus, e de percorrer o caminho da bondade, da honestidade, da solidariedade para com todos os seres, pois a todos eles pertence este reino. Considerem-nos, todos, sem exceção, como vossos filhos queridos. Observem os seus sofrimentos e as suas alegrias e façam vossos esses seus estados de espírito.
Jesus dirige-se, em seguida ao rosto marcado pela doença e diz-lhe:
- A doença a faz parte da vida. Pensa naqueles que sofrem mais do que tu, que têm doenças mais graves. Deseja que todos os que sofrem de doenças possam melhorar.
O enfermo assim fez e como por milagre o seu sofrimento por momentos desapareceu e então percebeu que pensar nos outros diminuía o seu sofrimento.
O mesmo se passou com aquela por quem a idade tinha passado demasiado depressa deixando marcas, às quais faltava beleza. Contemplando a tristeza que lhe vinha desse facto soube que a raiva que sentia no coração, cada vez que via uma jovem e bela rapariga, não se devia a essa rapariga, mas sim à não-aceitação da vida. Aos poucos foi amenizando a tristeza profunda que lhe habitava o coração e em breve até alguma graça brotava de cada ruga que descobria.
Também aquela mãe que chorava a partida do filho querido, ouvindo Jesus e observando essa dor pode mergulhar, finalmente, na fé que sempre sentiu ter.
Jesus fala-lhe:
 - Lembra-te que tudo o que tem um início tem um fim. Assim a vida também termina dando lugar a outra existência no reino de Deus.
Embora com saudade a mulher despediu-se de seu menino do coração, confortada por o Saber a caminho de um lugar mais perto de Jesus. Assim e pela primeira vez soube o que era ter fé, sem medos, sem dúvidas, a fé no reino de Deus.
E Jesus continuou:
- Quando verdadeiramente penetrarem neste reino, o de Deus, tudo vos fará sentido. Mesmo o que hoje vos parece injusto, inexplicável, será claro como os belos raios de sol. No reino de Deus existe amor, compaixão, alegria, solidariedade e verdade. Tudo isto habita também o coração de todos vós pois nada existe fora deste reino. No dia em que percebeis isto sereis livres e felizes.
Jesus faz uma pausa. Havia lagrimas de comoção, de emoção, em muitos rostos. O sorriso de Jesus torna-se ainda mais doce. Todos se sentem tocados.
E Jesus prossegue:
- Recordem-se de não existo fora de vós mas, como o esqueçais, ou não o reconheceis, finjo regressar todos os anos, a 25 de Dezembro, uma data inventada por vós. Enquanto assim permanecerdes, para vós renascerei, como renasço sempre que abris o coração para ver Jesus, para sentir Jesus. É Natal, é tempo de todos o fazerem. Experimentem, abram o coração, abram a mente e deixem o Natal florir em todos vós. Deitem fora todos os medos, as invejas, as desconfianças, as raivas, as vinganças e deixem o amor que existe no vosso coração, que sou eu, Jesus, manifestar-se. Sejam amor. O Natal vive em todos vós, sois vós que o expulsais a cada acto, pensamento ou palavra fora do reino de Deus.
Após estas palavras, Jesus olhou o rapazinho que continuava agarrado à sua mão, sorriu-lhe, pegou-lhe ao colo e aconchegou-o junto ao peito, segredando-lhe: Tu também és Jesus, o filho de Deus.
No instante seguinte, tudo voltava ao normal. Era como se nada se tivesse passado. A rua movimentada pareceria voltar ao frenesim que anteriormente conhecera.
José, assim se chamava o menino, jamais esqueceu aquele abraço e as palavras sussurradas ao ouvido. Diz-se até, que naquele Natal, todos os que tinham visto Jesus, haviam de o viver como nunca o haviam feito. Uma força, desconhecida, vinda do fundo de si teria inundado os seus corações e mentes. Essa força levara-os a gestos mais solidários, nesses e noutros natais mas também no tempo entre eles.
José não sabe por que razão Maria, sua velha companheira de vida nunca acreditou muito nesta história. Ainda jovens, ria-se quando José a invocava como se de uma traquinice se tratasse. Agora, no final da existência terrena, mais perto dos céus, dizia-lhe amiúde que tal repetição se devia ao passar do tempo. José não se importava. Maria era uma boa mulher que sempre tinha tido o natal no coração. Via Jesus sem o saber.
No mundo das recordações, José vivia ainda o aconchego do colo sagrado e isso bastava-lhe. Amanhã, quando Deus o chamasse para junto de si, estava certo O reconheceria pois também ele era Jesus, o filho de Deus.

Hoje é Natal e o 25 de dezembro ainda vem longe.

Aldora Amaral
2013.10.07






segunda-feira, 2 de dezembro de 2013


O Silêncio dos Corações






Naquele tempo um bater suave e profundo expressava a paz sentida. Não, não vivia num qualquer céu, repleto de harpas e vestes suaves cobrindo corpos ondulados e belos, de longos cabelos loiros. Não, naquele tempo os corações falavam e os espaços tinham faces conhecidas. O tempo era um aliado e companheiro. Os ritmos, outros.
Lembra-se das longas conversas entre batimentos tão próximos. Falava-se de amor, da amizade, de alegria mas também das tristezas, dos sofrimentos que cada um sentia ou sabia habitar um outro. Sim, porque naquele tempo de proximidade, qualquer arritmia, qualquer movimento era por todos sentido, tal era a empatia existente entre esses órgãos fundamentais da vida física, símbolos poéticos de existências solteiras do que quer que seja ou mergulhadas em laivos de lucidez mais ou menos constantes.
À medida que os ritmos cardíacos se afastavam cresciam as distâncias entre corações. Com o tempo, essas distâncias foram reforçadas por couraças cada vez mais sofisticadas. A respiração viu-se obrigada a reforçar a intensidade das trocas que constituem a sua natureza. O cansaço instalou-se.
Com a distância veio também a solidão. Corações couraçados ocuparam o lugar dos outros: os desprevenidos, os guerreiros de Shambala cujo coração sangra de sensibilidade, os corações escancarados, aqueles que detêm a paz, a liberdade, a alegria pura.
De couraça em couraça, vão esquecendo quem são e as interligações que estabelecem. Vivem no silêncio das mortes lentas, anunciadas. Falam línguas de fogo, com que queimam as esperanças. Decidem sobre as vidas dos outros esquecendo de que matéria são feitos. Tornam-se duros. Pulsam para si próprios. Vivem sob a capa opaca, pesada, do medo. Adoecem precocemente, param subitamente.
Como em todos os tempos, há os que resistem, numa teimosa mas firme certeza de que foram feitos para o amor, para batimentos conjuntos. Recordam algures o tempo dos encontros entre corações e sabem que esse tempo existe, ainda, perdido no universo. Procuram outros e reconhecem-nos, se param para os escutar. Esses encontros, pródigos em linguagens ricas e verdadeiras, tendem a mostrar a beleza de tudo o que existe. O tempo, esse aliado e companheiro de corações que o entendem, que o aceitam, que lhe dão a mão e com ele bailam a dança da vida, está bem presente e mostra-lhes a disponibilidade dos grandes espaços. No encontro, entre corações a alegria descobre-se, o amor despe-se de todas as escravidões. Soltam-se amarras e a viagem rumo ao amor em liberdade tem início, sem nunca ter tido fim.
É no silêncio dos corações que a morte habita, negra, hirta, gelada.
Hoje, neste tempo de mortes lentas e anunciadas vou aquecer o meu coração, pintá-lo de branco e atirá-lo ao alto, como um balão colorido que desperta a alegria nas crianças e o desejo, esquecido, reprimido, de brincar, que nem os corações couraçados alguma vez perderam. O tempo, esse aliado, chega então de mansinho e avaria os relógios. O homem ri, rebola-se na relva junto do menino que persegue o cão. A lua aparece no horizonte, empurrando o sol para o outro lado do planeta.
O mundo cala-se. Faz-se silêncio. Dos corações renasce a luz das vozes inaudíveis.
2013.11.14




quinta-feira, 31 de outubro de 2013

In(constante)



De in (constâncias) somos feitos
Como se de uma segunda pele se tratasse.
Mas é no campo do desejo
Que mais inconstantes nos mostramos.
Hoje queremos, o que ontem rejeitamos
Amanhã deitaremos fora, o que hoje amamos
Afinal quem somos, ou será que não somos?
Se fossemos, alguma constância haveria
Como há noite e dia.
Talvez não sejamos mais do que poeiras
Que o vento leva em todas as direções.
Arrastados por inconstantes emoções
Nos fazemos chuva, sol, neve
Inundando, queimando, gelando.
E quando o sorriso chega,
Na primavera de um desejo
Sorrateiro, subtil ou grosseiro,
Logo a inconstância,
Na linguagem que lhe assiste
Se instala e persiste
Em mostrar que de constante
Existe o bastante
Contido ao luar
Num raio de luz,
No lago a brilhar

2013.10.16








Interrogação


Em inconstâncias vivo
A vida a que chamo minha
Como chamo meu a um qualquer objecto.
E mesmo esses, os objectos
Que tenho deles?
E esse mim, onde habita?
De que cor se pinta?
Tem forma, odor?
Ou será na dor,
Na vertiginosa dor que me revisita
A cada dissabor,
A cada revés,
A cada querer e não querer,
A cada in(constância)
Que espero constante,
Será aí,
Nesse espaço escorregadio
Pleno de vazio,
Que a realidade sem véus
Ausente de separações
Se manifestará na derradeira constância
Livre de qualquer manifestação
Livre.
Será?


2013.10.16

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Prece


Raio de luz
Leva-me contigo.
Mostra-me
O quanto somos um,
Porque o não vejo
Neste mundo do desejo
Onde me movo
Me enrolo
Me despedaço.
Mostra-me o caminho
Da luz
Do despertar
Da lucidez.
Tu, que em tudo brilhas,
Que em tudo penetras,
Sem separação,
Sem preferências,
Sem pré-conceitos.
Tu que apareces e desapareces
Cumprindo a sina
De tudo o que é,
Mostra-me quem sou,
Ilumina-me caminho.

2013.10.03


domingo, 29 de setembro de 2013




Ecos do Silêncio

No mundo do silêncio 

Todas as vozes murmuram
Todas se calam, se torturam
Se mostram com doçura
A mesma doçura que reina nos corações,
Aqueles, que de guerreiros
Se mostram inteiros,
Sensíveis e fortes,
Sem medo das sortes.
Do mundo do silêncio
Emergem verdades
Mentiras, saudades
Memórias, odores
E muitos amores
Vividos, sonhados
Perdidos, achados.
No mundo do silêncio,
Quando tudo se cala,
O mundo abre-se
Descobre-se, oferece-se
Aos homens atentos,
Capazes de estar ali
No momento presente.
Pois os que de ausências se fazem
Jamais saberão esse mundo
E o seu sentido profundo
Na natureza.
Do aparente inaudível mundo do silêncio
Brota o eco mais verdadeiro
Linguagem perfeita
Que é apenas o que é
Sem mais querer.
Sem nada a perder.
Assim é a folha que brilha ao sol.
Assim a relva se curva ao vento,
O mesmo que molda as pedras
E despenteia as moças.
Assim a montanha se mostra,
A borboleta bate as asas
E a abelha suga a flor.
Assim o sol traz a cor
A todas as coisas do mundo.
Pois em todas elas habita o mesmo idioma,
O do silêncio.
Que só porque existe
A tudo assiste
O milagre
das suas inúmeras vozes.


2013.09.26


domingo, 22 de setembro de 2013

Eternamente Sagrados



Das cavernas mais profundas da natureza, a Deusa Terra estendia a suas raízes como serpentes entrelaçadas num covil profundo e recôndito.
Cada uma dessas raízes transportava em si seivas leitosas, espessas ou fluídas nutrientes vitais a cada um dos filhos e filhas que o seu ventre acolhia.
Do mais etéreo espaço, o Deus Sol abria os seus braços brilhantes e luzidios, em número incalculável, dos quais sopravam raios de uma energia quente e luminosa que penetravam e nutriam a Deusa Terra.
Da sagrada união de ambos, geravam-se todos os filhos e filhas cujos actos sagrados tinham feito dum pequeno ovo, suspenso no universo, o lugar capaz dos maiores milagres, só possíveis aos reinos dos Deuses. Todos os milagres eram de estrema beleza e pureza e cada um deles era sentido e vivido por todo o reino, pois não havia qualquer separação entre os filhos e filhas sagrados. Cada acção, cada pensamento, cada expressão, gerados no sistema da não existência individual, afectava tudo e todos, neste reino onde a liberdade era o motor de cada milagre.
Um dia, muito distante, um dos filhos adoeceu gravemente, de um mal contagioso, e conheceu o Medo, após ter recusado o milagre da cura. Abriu então uma ferida no ventre da Deusa Terra e conheceu o Poder. Abandonando o ventre materno, viu-se separado de toda a família divina e conheceu a Ambição.
Da ferida aberta no ventre da Deusa Terra outros filhos e filhas lhe seguiram os passos. Em pouco tempo, uma multidão de filhos e filhas esqueceram as suas origens sagradas dando lugar ao nascimento de feiticeiras e feiticeiros que se diziam sagrados e poderosos, capazes dos maiores feitos alquímicos. Munidos de máquinas pensantes, todas iguais, desenvolveram sistemas artificiais de existir com base em processos sofisticados que premiavam aqueles que mais se distanciavam do estado primordial da existência. Quanto mais profunda a sensação de separação, o estado de individualidade, maior o poder exercido e experimentado.
Estas seivas, não sagradas, que percorriam tais máquinas pensantes, iam intoxicando lentamente, em progressivos estados amnésicos, todos os seres. Entre eles, os mais jovens, retinham ainda vislumbres do estado vivido no ventre materno, vislumbres incompreendidos pelos mais velhos e por estes combatidos como se de algo nefasto e doentio se tratasse. De entre os filhos amnésicos, os mais dotados, logo encontravam soluções para a cura o que lhes trazia poder e posses. As próprias curas milagrosas iam-se anulando umas às outras, à medida que os males eram identificados. O mundo das máquinas pensantes, todas iguais, construiu assim uma enorme teia onde todos se sentiam presos e infelizes, enquanto a própria teia era embelezada como se do paraíso se tratasse. Muitas das curas ofendiam mais e mais o ventre materno e os braços do Rei Sol a quem os filhos viam como escravos e fontes de ambição e de poder.
A Deusa Terra e o Deus Sol conheciam bem o sofrimento dos filhos e as agressões que estes lhes infringiam. Sabiam bem as preocupações, os medos, as inquietações dos habitantes da teia maldita mas não cabe aos deuses, nem às fontes de vida, interferir directamente na liberdade dos seus filhos. A sorte de todos é por todos gerada e assim, os Deuses vigiavam a teia sofrendo e resistindo, mostrando as feridas onde inevitavelmente todos se feriam.
Tempo e tempos passaram, a beleza da Deusa Terra permanece viva mas as doenças tomaram também conta dela porque nunca houve realmente qualquer separação entre ela e seus filhos. Por vezes chora, inundando tudo com as suas lágrimas e tirando vidas. Por vezes, assolada por doenças nas vias respiratórias, em enormes acessos de tosse, abana o reino, destruindo as obras criadas pelas máquinas pensantes e tirando as vidas dos seus próprios filhos e filhas.
O Rei Sol também sofre pelos sofrimentos que causa. Os seus braços, outrora benéficos, são agora temidos por muitos e outros encontram neles a morte. As protecções antes existentes, deixavam que os raios luminosos abraçassem a Deusa Terra suavemente. Hoje, por acções não sagradas dos filhos amnésicos, tocam tudo e todos tão intensamente como é intenso o sofrimento que provocam em Deuses e filhos que ignoram serem sagrados. Adoecem-nos e matam-nos.
Dizem os visionários, os magos sagrados, que haverá filhos e filhas a descobrir o caminho de volta ao ventre sagrado, outros que montam cavalos escravos em direcção à descoberta de novos lugares suspensos no universo, na tentativa de encontrar uma fuga da teia maldita e um caminho para uma sensação de felicidade perdida e não vislumbrada.
Aqui onde te encontras, se conheces a felicidade duradoura talvez estejas já a habitar o ventre sagrado da Deusa Terra. Se em ti habita a mais ténue sensação de sofrimento então fecha os olhos e acorda. Deixa que o que resta de sagrado em ti atravesse o universo. Penetra esse campo divino, vê-te de volta aos braços do Rei Sol e ao ventre da Deusa Terra e saberás então quem és e onde pertences, em suma, conhecerás a felicidade nunca perdida mas ofuscada por máquinas pensantes, todas iguais.

domingo, 15 de setembro de 2013

O Tacto das palavras





Julgar as palavras
É não conhece-las, não as saber,
Não as beber.
Palavras têm beleza ou feiura
Inspiram amor, amargura
E todos os sentimentos do mundo.
Hás as melodiosas e as agrestes.
Há quem as ame e quem as deteste,
Sem que nenhuma delas se altere.
O tacto das palavras não está nelas
Pois todas são belas, precisas, necessárias.
O tacto das palavras está em quem as escreve
Escuta, pronuncia.
Palavras são casamentos perfeitos entre letras
São desenhos de meninos e obras de poetas.
Delicadas naquele que ama
E grosseiras no rosto da trama.
Palavras animam e destroem,
Chegam e partem
Da alma dos homens meninos.
Instalam-se e “moem” as mentes pequenas
De egos plenas.
O tacto das palavras
Governa e habita o coração dos homens,
Tem o tamanho da consciência de quem as profere,
Escreve ou pinta.
O tacto das palavras
Está em deixar aos homens
O poder e a arte
De com elas abrir janelas
Pintar aguarelas,
E nelas se rebolar, amar, sonhar.
O tacto das palavras está em ti
Em mim, em nós.
Em todos os que as amam,
Respeitam,
E com elas se deleitam.
Tratemos então com o cuidado que merecem
Todas as palavras,
E a riqueza que contêm,
E com cuidado redobrado
O seu jeito velado
De dizer,
(sem o fazer)
Mais que o seu significado.

2013.09.13





quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Beleza maior

Olho o céu.
Nele posso ver tudo o que é meu: nada.
Como é belo e livre, o céu.

2013.08.30

domingo, 1 de setembro de 2013

Oração


Olha o oceano
Como ele é
Imenso, espaçoso, profundo,
Cumprindo o seu papel
Na natureza.
Ondulante, belo, abundante.
Mostra-se numa aparente indiferença
A toda a penetração humana
Que o explora, polui, mancha de sangue.
A todas as agressões
Retribui com amor
Partilhando quem é.
Sábio em grandeza
Grande na nobreza,
Permanece ali
Imenso, espaçoso, profundo
Cumprindo o seu papel na natureza.

Assim fosse o homem.
Amém

2013.08.19

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Moinhos de vento





Moinhos de vento,
Que ventos nos trazem?
Memórias alegres
De tempos vividos
De amigos que idos
Jamais partirão.
Memórias sabidas
Quem em farinhas finas
Moem e remoem.
Esforços suados
Em pães amassados
Vidas que alimentam
Pobres e abastados.

Moinhos de vento
Que ventos nos trazem?
Temíveis gigantes
Que a figura triste
Dum tal cavaleiro,
Corajoso Andante,
Quixote de nome
De livros,  amante
Anseia enfrentar.
Ama Dulcineia
Ama a terra inteira
Vivo na “loucura”
Morto no “sarar”.

Moinhos de vento
Que ventos nos trazem?
Em seus braços lindos
Sonhos de meninos
Campos verdes, flores
Correrias, abraços
Risos, estardalhaços
Amor, natureza.
Moinhos sadios
Circulares, vadios
Bebem dos riachos
Brincam com o vento.
Pintam horizontes
Enfeitam os montes
Despertam paixões
Morrem com os tempos
Vivem em lamentos
E nos corações.

Moinhos de vento
Que ventos não trazem?

2013.08.28



quinta-feira, 22 de agosto de 2013


Ruas estreitas, empedradas...



Ruas estreitas, empedradas,
Também contêm gente.
Têm começo e fim
Como tudo o mais, na vida.
Sabem para onde vão
e de onde vêm.
Suportam passos diurnos, noturnos,
Apressados ou lentos.
Conhecem segredos,
Guardam-nos sob as suas pedras.
Provocam quedas, tropeções.
Quebram saltos altos,
Atraindo as moças
Pra mais perto de si…
Há quem as olhe e as ame
E quem as pise, sem as saber.

Ruas estreitas, empedradas
Têm vida, movimento, odores.
Vibram no amor e ódio das vizinhas
Que em noites soalheiras
Enfeitam degraus, janelas e portas
Com vestes, risos e palavreados.

Hoje posso olhar esta rua estreita, empedrada,
Dessas que vale a pena palmilhar.
Desço-a em degraus espaçosos, lentos
Que convidam ao pisar respeitoso.
Ao fundo a torre da igreja surge
Metáfora brilhante do fim da rua de todos nós…
Aromas de flores acompanham os meus passos,
Assinalando a vida em cada casa.
Atraso o passo
Faz-se silêncio
De sol se ilumina a jornada.
Na rua estreita,
Empedrada.

2013.08.20








domingo, 18 de agosto de 2013

Viagem de Sonho

Navega em mares revoltos,
Frágil.
Embarca em caravelas
De emoções,
De preferências,
De rejeições.
Procura a calmaria
Nas marés
E a liberdade
Nos horizontes.
Em viagens de sonho
Anseia acordar
Sem velas,
Sem remos,
Sem chão,
Sem horizontes.
E na maré do despertar
Ser tudo isso.
Viagem sem sonho
Em que o navegar
Não é partir,
Mas ficar.



14.08.2013

terça-feira, 13 de agosto de 2013




Sob Superfícies Serenas
Explodem melodias
Que nos arrastam
Tela fora…
Num convite ao que mexe em nós
Quando as pisamos,
Sob a tua arte.


        2013.08.08

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Fim de tarde


A noite cai sobre a praia. Espero-a. Ela, e tudo o que o seu chegar contêm. No aconchego do ar quente, trazido pelo vento, observo o horizonte que numa beleza exuberante, se mostra. O mar estende-se até si e funde-se em cores fortes, quentes e sombrias, deixadas pelo sol que, de mansinho, nos vai mostrando, sem pressas, o seu lado romântico, tranquilo, num convite ao amor, à poesia, ao que de mais belo pode sentir quem o contempla. A sua imensa beleza toca o mar com as cores da tarde finda, da noite vinda, deixando o brilho, que até ali foi seu, à elegante lua que se ergue no céu, curvilínea.
Na amplitude do momento em que tudo faz sentido, quebram-se todas as fronteiras. As certezas dão lugar à liberdade. Deixo de ser, sendo maior do que tudo aquilo que em mim possa caber. Na imensidão do horizonte, fundo-me com a natureza. Desapareço e conheço a paz.
2013.08.10
Carcavelos

21h

terça-feira, 6 de agosto de 2013



 Clara Visão

De olhos vendados
De ilusões e sonhos
Vejo a natureza
Como ela não é:
Imaculada.
De olhos vendados
Procuro a beleza
Nas coisas do mundo,
E a perfeição
Em perpétuos amores.
De olhos vendados
Vejo-me princesa
De lábios carnudos
E rara beleza
Que em doces abraços
Se dissolve inteira.
Êxtase de veludo,
De amores feiticeira.

Em um dia…
Em noite vadia
Desata-se o laço
Da venda que trago
Há muito comigo.
Tudo é como é
No mundo e em mim.
De olhos desvendados
De ilusões e sonhos
Encontro a beleza
Em cada jasmim
Posso olhar de frente
(espelho que não mente)
Ser feliz assim!



Artifício

Deixo escorrer sobre mim o teu criar
De movimentos feito.
Tonalidades invadem-me os sentimentos
E a emoção sai de mim.
Sou levada por ti em cores quentes.
Mergulho nas texturas do caminho
Rumo ao desconhecido.
Refresco-me em madrugadas de tons frios
Que despertam os meus sentidos.
Pintas-me a alma
Em ti me deleito,
Doce ofício, de arte feito!



terça-feira, 9 de julho de 2013





Na proeminência da falésia, o grito. Fim de linha. 

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Com as palavras…


Com as palavras se constrói a vida, a morte e tudo o que nos propomos construir. Há as que nos inspiram e as que nos secam, as ditas e as escritas, as que nunca dizemos e nos arrependemos. Há as palavras que nascem em nós, perante desafios, não pensadas mas sentidas.

Com as palavras viajamos a mundos distantes, desconhecidos, inventados. Conhecemos gentes, cidades, aldeias e toda a espécie de vidas, de tramas com que nos identificamos ou rejeitamos.

Com as palavras rasgamos a solidão, vivida, sentida, real ou imaginada.
Com as palavras escondemos os silêncios e ludibriamos sentimentos, mostramos e fingimos quem somos, o que queremos ou rejeitamos. As palavras quebram barreiras ou edificam muros inultrapassáveis.

Com as palavras se mata e se morre, de amor, de dor, de saudade, de angústia, de tristeza e de tudo o mais de que somos feitos. Há as palavras ácidas, as doces, as melodiosas e as diretas, com que nos enrolamos, deitamos, abrimos ou fechamos.

Com as palavras simples nos comprometemos, para sempre, nos sins da vida. Com elas se constrói o sal da existência, na poesia e todos os mundos do mundo, para aquém e além dele: os mundos dos que as recitam, escrevem, inventam, cantam e até daqueles que as pintam, desenham, esculpem, pois cada obra de arte contém, e acorda em nós, palavras.

Com as palavras nos perpetuamos e nos mostramos às gerações vindouras. Compreendemos quem somos e donde viemos. Conhecemos as raízes que nos nutriram, a terra de que somos feitos.

Com as palavras construímos imagens, futuros, carreiras, e com elas as destruímos.
Com as palavras, tudo e nada somos, mas sem elas, o inimaginável mundo de um total silêncio se veria privado do seu outro lado e viveria, decerto, pela metade.

Com as palavras todos os silêncios são possíveis pois cada uma delas possui em si o silêncio respectivo.

Sem as palavras todos seriamos mais pobres.

Vivam as palavras, todas elas, em todas as línguas. E vivam também as meias-palavras naquilo que no indizível nada deixam por dizer.

2013.05.15


sexta-feira, 24 de maio de 2013

Espinhos


Pendurado por panos crus
preso por fios onde se enrola,
baloiça os seus pensamentos,
convicções, crenças.
Está rodeado de espinhos
com que vai picando os que por ali passam.
Há uma crueza em si,
proporcional à força.
O rosto tenso e sisudo
procura sorrisos,
amores.
A solidão habita para cá dos espinhos.
Para lá deles...a escuridão.
Aqui, onde se vê,
há o tamanho, imenso,
linguagem outra,
do inacessível,
do incompreendido
do encoberto.
Baloiça.
Esperneia.
Grita.
A cada reagir, maior a prisão
que lhe tira os pés do chão,
e o arrasta, espinhos acima,
para a dor de não saber,
como fazer
amaciar o coração,
acalmar esta tensão.
Olha-lá,
sem a julgar,
sem lhe exigir a lucidez.
Aceitar-lá,
deixar que seja quem é.
Pode a luz ser escuridão?
E ele?
Pode descer dos panos crus
e eliminar o caminho que a espinhos conduz?
Ou viverá nesta agonia,
tremenda e fria,
nesta visão
de porta aberta
à solidão?

2013.04.27