O filho de Maria e José deambulava
pela cidade, contemplando, perplexo aquela dimensão da existência, a humana.
Para onde corriam? Porque não se olhavam?
De repente, um menino corre na sua
direção ignorando os gritos da mãe para que não se afastasse. Reconhecera
Jesus.
- Jesus, Jesus! Grita o rapaz.
Faz-se um silêncio que penetra todo o
ambiente como se de um efeito ondulatório se tratasse. Algo se propaga perante
o grito anunciador. Todos olham na direção sagrada.
- Jesus, continua o rapaz do alto da
sua inocência, minha mãe diz que só nasces amanhã, como podes estar aqui hoje?
Jesus olha o rapazinho e sorri-lhe.
Depois percorre com o olhar todos os que de si se acercam. Pega a mão do menino
e inicia uma caminhada por entre os que, ainda espantados e incrédulos, ali se
encontram. Pode ver rostos fartos, ricas roupagens, rostos famintos, rostos
envelhecidos e sofridos, uns marcados pela dor da doença, outros pelo medo,
pela solidão. Homens e mulheres tresmalhados, crianças velhas. Perante tudo
isto, com uma voz suave mas determinada e um sorriso aberto e doce diz:
- Meus queridos amigos, irmãos, não
existe tempo nem espaço no reino de Jesus e o reino de Jesus é o reino de todos
vós, de cada um de vós. Hoje apresento-me aqui para vos mostrar isso mesmo.
Nunca parto, nem regresso pois nunca me separei de vós, nem a vós me juntei.
Todos os que a isto acederem, todos os que isto sabem, não se espantam com esta
minha aparente visita antecipada. Aos outros digo que em mim confiem, que
afastem os medos e as dúvidas. Abram o vosso coração e observem a vossa mente.
Contemplem o que aí encontram, sem críticas, sem expectativas. Aceitem o que
observam. Façam tudo isso, movidos pela vontade de entrar neste reino, a que
chamam de Deus, e de percorrer o caminho da bondade, da honestidade, da
solidariedade para com todos os seres, pois a todos eles pertence este reino.
Considerem-nos, todos, sem exceção, como vossos filhos queridos. Observem os
seus sofrimentos e as suas alegrias e façam vossos esses seus estados de
espírito.
Jesus dirige-se, em seguida ao rosto
marcado pela doença e diz-lhe:
- A doença a faz parte da vida. Pensa
naqueles que sofrem mais do que tu, que têm doenças mais graves. Deseja que
todos os que sofrem de doenças possam melhorar.
O enfermo assim fez e como por milagre
o seu sofrimento por momentos desapareceu e então percebeu que pensar nos
outros diminuía o seu sofrimento.
O mesmo se passou com aquela por quem
a idade tinha passado demasiado depressa deixando marcas, às quais faltava
beleza. Contemplando a tristeza que lhe vinha desse facto soube que a raiva que
sentia no coração, cada vez que via uma jovem e bela rapariga, não se devia a
essa rapariga, mas sim à não-aceitação da vida. Aos poucos foi amenizando a
tristeza profunda que lhe habitava o coração e em breve até alguma graça
brotava de cada ruga que descobria.
Também aquela mãe que chorava a
partida do filho querido, ouvindo Jesus e observando essa dor pode mergulhar,
finalmente, na fé que sempre sentiu ter.
Jesus fala-lhe:
- Lembra-te que tudo o que tem um início tem
um fim. Assim a vida também termina dando lugar a outra existência no reino de Deus.
Embora com saudade a mulher despediu-se
de seu menino do coração, confortada por o Saber a caminho de um lugar mais
perto de Jesus. Assim e pela primeira vez soube o que era ter fé, sem medos,
sem dúvidas, a fé no reino de Deus.
E Jesus continuou:
- Quando verdadeiramente penetrarem
neste reino, o de Deus, tudo vos fará sentido. Mesmo o que hoje vos parece
injusto, inexplicável, será claro como os belos raios de sol. No reino de Deus
existe amor, compaixão, alegria, solidariedade e verdade. Tudo isto habita também
o coração de todos vós pois nada existe fora deste reino. No
dia em que percebeis isto sereis livres e felizes.
Jesus faz uma pausa. Havia lagrimas de
comoção, de emoção, em muitos rostos. O sorriso de Jesus torna-se ainda mais
doce. Todos se sentem tocados.
E Jesus prossegue:
- Recordem-se de não existo fora de
vós mas, como o esqueçais, ou não o reconheceis, finjo regressar todos os anos,
a 25 de Dezembro, uma data inventada por vós. Enquanto assim permanecerdes,
para vós renascerei, como renasço sempre que abris o coração para ver Jesus,
para sentir Jesus. É Natal, é tempo de todos o fazerem. Experimentem, abram o
coração, abram a mente e deixem o Natal florir em todos vós. Deitem fora todos
os medos, as invejas, as desconfianças, as raivas, as vinganças e deixem o amor
que existe no vosso coração, que sou eu, Jesus, manifestar-se. Sejam amor. O
Natal vive em todos vós, sois vós que o expulsais a cada acto, pensamento ou
palavra fora do reino de Deus.
Após estas palavras, Jesus olhou o
rapazinho que continuava agarrado à sua mão, sorriu-lhe, pegou-lhe ao colo e
aconchegou-o junto ao peito, segredando-lhe: Tu também és Jesus, o filho de
Deus.
No instante seguinte, tudo voltava ao
normal. Era como se nada se tivesse passado. A rua movimentada pareceria voltar
ao frenesim que anteriormente conhecera.
José, assim se chamava o menino,
jamais esqueceu aquele abraço e as palavras sussurradas ao ouvido. Diz-se até,
que naquele Natal, todos os que tinham visto Jesus, haviam de o viver como
nunca o haviam feito. Uma força, desconhecida, vinda do fundo de si teria
inundado os seus corações e mentes. Essa força levara-os a gestos mais
solidários, nesses e noutros natais mas também no tempo entre eles.
José não sabe por que razão Maria, sua
velha companheira de vida nunca acreditou muito nesta história. Ainda jovens,
ria-se quando José a invocava como se de uma traquinice se tratasse. Agora, no
final da existência terrena, mais perto dos céus, dizia-lhe amiúde que tal
repetição se devia ao passar do tempo. José não se importava. Maria era uma boa
mulher que sempre tinha tido o natal no coração. Via Jesus sem o saber.
No mundo das recordações, José vivia
ainda o aconchego do colo sagrado e isso bastava-lhe. Amanhã, quando Deus o
chamasse para junto de si, estava certo O reconheceria pois também ele era Jesus,
o filho de Deus.
Hoje é Natal e o 25 de dezembro ainda
vem longe.
Aldora
Amaral
2013.10.07